II. —Época da Quaresma.
1. — Exposição dogmática.
No Ofício Divino continuam as leituras do Antigo Testamento. No primeiro domingo da Quaresma, a figura de Isaque é eclipsada pelo pensamento de Jesus no deserto. Na última semana da Quaresma, a liturgia lê a história de Jacó, figura de Cristo e da sua Igreja, sempre protegida e favorecida por Deus como aquele santo patriarca. É José nas leituras do Breviário da 3ª semana, e nele vemos uma figura de Cristo e da Igreja, que sempre retribuiu o bem com o mal, e brilha com brilho incomum pela sua vida imaculada. Por fim, a 4ª semana é consagrada a Moisés, que libertou o povo de Deus, introduzindo-o posteriormente na terra prometida, e figura nisto o que a Igreja e Jesus Cristo fazem com as almas na Páscoa.
Vemos, então, como “Deus explica à luz do Novo Testamento os milagres dos tempos primitivos” (Orac. del Sat. S.). Assim, meditando nas páginas paralelas de ambos os Testamentos, preparar-nos-emos para celebrar com a Igreja os santos mistérios pascais, pois aquelas páginas sagradas nos dão uma compreensão completa da misericórdia divina, que não conhece limites. A liturgia quaresmal também nos exorta pela boca de Isaías, Jeremias e dos Profetas; e no Novo Testamento, pela de São Paulo, cujas Epístolas se tornam como o eco da voz do Mestre, que se ouve nos Evangelhos daqueles quatro domingos. Bem podemos considerar todo este tempo como um grande retiro espiritual, no qual entram todos os cristãos do mundo inteiro, para se prepararem para a festa pascal, e que termina com a Confissão e a Comunhão Pascal. Assim como Jesus, retirando-se da agitação do mundo, rezou e jejuou durante 40 dias, e depois no seu vício de apostolado nos ensinou como devemos morrer para nós mesmos, assim também a Igreja, nesta santa Quarentena, nos prega como devemos morrer em nós, o homem do pecado.
Essa morte se manifestará em nossa alma através da luta contra o orgulho e o amor próprio, através do espírito de oração e da meditação mais assídua da palavra divina. Também se manifestará em nosso corpo através do jejum, da abstinência e da mortificação dos sentidos. Finalmente aparecerá em toda a nossa vida através de uma maior renúncia aos prazeres e bens do século, dando mais esmolas e abstendo-se de participar nas festas mundanas. Porque, com efeito, o jejum quaresmal não deveria ser mais do que a expressão dos sentimentos de penitência de que está repleta a nossa alma, ocupando-se tanto mais livremente com as coisas de Deus quanto mais restringe o dom dos sentidos. Assim, este tempo favorável como nenhum outro é, para os corações generosos, uma fonte de santa alegria, que transparece em todos os poros da liturgia quaresmal.
Esta obra de purificação realiza-se sob a direção da Igreja, que une os nossos sofrimentos aos de Cristo. Também os cobardes podem entrar na luta com esforço, confiando na graça de Jesus, que não deve faltar, se implorarem a ajuda divina contra o inimigo; e os fortes não se orgulham da sua observância, porque devem saber que só a Paixão de Jesus é o que os salva, e só “participando dela com paciência é que os seus frutos de saúde lhes são aplicados”.
2. — Exposição histórica
A liturgia quaresmal faz-nos seguir Jesus em todas as aventuras do seu ministério apostólico.
Primeiro ano: Jesus passou pela primeira vez 40 dias no deserto no Monte da Quarentena, a nordeste de Betânia (1º domingo). Depois cercou-se dos seus primeiros discípulos e subiu com eles para a Galileia, de onde regressou a Jerusalém para ali celebrar a festa da Páscoa, expulsando depois os vendedores do Templo (Seg. da 4ª Semana). Depois de ter evangelizado a Judeia durante vários meses, foi para Siquém, onde converteu a samaritana (sexta-feira, 3º semestre), de onde foi para Nazaré, pregando na sua sinagoga (segunda-feira, 3º semestre). De lá, finalmente, rumou para Cafarnaum, viajando depois pela Galiléia (quinta-feira, 3A sem.). Segundo ano: Jesus voltou novamente a Jerusalém para a 2ª Páscoa, e lá curou o paralítico no tanque de Betsaida (Evangelho. Sexta-feira 1ª Semana). De volta à Galiléia, ele pregou o Sermão da Montanha (Mt. Kouroun-Hattin) (Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira seguinte). Entrando em Cafarnaum, ele curou o servo do Centurião (quinta-feira após Cen.) e depois ressuscitou o filho de uma viúva em Naim (Ev. quinta-feira, 4a Sem.). Depois evangelizou novamente a Galiléia, e foi imediatamente para Betsaida-Júlias, nos domínios de Filipe. Nas proximidades daquela cidade multiplicou os pães (4º domingo), e depois caminhou sobre as águas do lago, quando regressou a Cafarnaum (sábado depois do jantar).
Terceiro ano: Jesus percorreu então as regiões de Tiro e Sidom, onde seus inimigos o seguiram (Quarta, 5º Sem.); Ouviu o apelo da mulher cananeia quando passava por Sarepta (quinta-feira, 1º S.) e, regressando por Cesaréia de Filipe, regressou à Galileia, onde então ocorreu a Transfiguração (Sáb. Sec. e 2º Sol.). De volta a Cafarnaum, ele pregou misericórdia aos seus apóstolos (Mart. 3a S.) e imediatamente subiu a Jerusalém para a Festa dos Tabernáculos, para nunca mais voltar à Galiléia. Lá ele confundiu os judeus que o acusaram de violar o sábado (Mart. 4a Sáb.), perdoou a mulher adúltera (Sabedoria 3º Sáb.), ensinou no Templo (Sabedoria 4a Sáb. Seg. 2º Sáb.) e curou o homem cego de nascença (quarta, 4a S.). Depois de Jesus estar na Galiléia, ele foi para a Peréia, onde restaurou a fala de um homem mudo (domingo, 3º) e mostrou Jonas como imagem de sua ressurreição (quarta-feira, 1º de setembro). De lá ele veio a Jerusalém para a Festa da Dedicação, e depois retornou à Peréia, onde pregou a parábola do filho pródigo (Sat. 2a S.) e do rico epulon (Jud. 2a S.). Depois foi chamado a Betânia, onde ressuscitou Lázaro (Vi. 4a S.). Depois de partir para Efrém, dirigiu-se a Jerusalém, anunciando como seria condenado à morte (Quarta, 2º S.). No Templo expulsou novamente os vendedores (Mart. 1º S.), pronunciou a parábola dos vinhateiros rebeldes (Sexta-feira, 2º S.) e desmascarou a hipocrisia dos fariseus (Mart. 2º S.). Por fim, subiu ao Monte das Oliveiras e, olhando para Jerusalém onde o crucificariam três dias depois, falou do Juízo que separará para sempre os bons dos maus (Seg. 4a S.).
3. — Exposição litúrgica.
ESTAÇÕES DE QUARESMA. —Todas as missas quaresmais têm a sua Estação. O Papa, de facto, celebrou sucessivamente missas solenes nas grandes basílicas, nas 25 paróquias de Roma e em alguns outros santuários, rodeado pelo seu clero e pelo seu povo. Isso se chamava Estação. O nome que ainda permanece no Missal recorda-nos que Roma é o centro do culto cristão, mas isso é apenas o vestígio de uma liturgia mais de doze vezes secular e outras vezes tão solene. A Quaresma, com missa sazonal diária, é um dos períodos litúrgicos mais antigos e importantes do ano. O Ciclo Temporal dedicado à contemplação dos mistérios de Cristo exerce agora uma influência diária e direta sobre os fiéis, enquanto, noutras épocas do ano, as festas do meio da semana assemelham-se mais aos Dias Santos. E como toda a vida cristã se resume na imitação de Jesus, este Tempo, em que o Ciclo dos Santos é mais curto, deve ser especialmente fecundo para as nossas almas.
A Igreja admitiu, pela sua excepcional importância, a festa da Anunciação (25 de março) e depois a de São Matias (24 de fevereiro) na liturgia quaresmal. E embora, ao longo do tempo, outras missas tenham sido acrescentadas em honra dos Santos, está, no entanto, totalmente de acordo com o espírito desta época, como nos recordou Pio X na sua Bula “Afflatu Divino”, de preferência, o missa justa, não no caso de duplas de 1ª ou 2ª classe; Pois bem, durante toda a Quaresma a missa oficial dos capítulos é a da feira (com púrpura), exceto nestas festas, e mesmo nestes mesmos dias (Anunciação, S. José e S. Matías), uma missa da feira em as catedrais e as colegiadas, para não interromper por nada a preparação pascal.
Para incutir o espírito de penitência, a Igreja não só suprime o Glória e o Aleluia e veste os seus sacerdotes com ornamentos roxos durante esta santa Quarentena, mas também ordena ao diácono que deixe a sua dalmática e ao subdiácono a sua túnica, símbolos de ambos. de alegria, e impõe silêncio ao Órgão. Após a Pós-Comunhão é feita uma Oração sobre o povo” precedida desta advertência: “Humilhai a cabeça diante de Deus”.
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